domingo, 15 de março de 2009

artigo: Créditos podres detonam crise




A crise que se iniciou nos EUA tem abalado as economias dos países do mundo todo. Tudo começou com a elevação dos preços dos imóveis desencadeada pelo aquecimento da economia americana.
Nos últimos anos o governo do presidente George W. Bush tomou algumas atitudes em relação à estimulação da Guerra do Iraque, a manutenção das baixas taxas de juros e o estímulo do consumo para que a economia saísse da recessão. Assim criaram-se novos empregos e as pessoas aumentaram seu poder de compras.
Conforme o consumo cresceu, empregaram-se mais pessoas. Com mais gente empregada, elevou-se o consumo e assim sucessivamente.
A aquisição de renda fixa permitiu ao cidadão americano vislumbrar a possibilidade de comprar uma casa ou adquirir um imóvel melhor através de financiamentos proporcionados pelos bancos. Devido a grande procura, houve uma valorização dos preços dos imóveis.
Muitos dos mutuários que viram duplicar o valor de suas propriedades resolveram refazer a hipoteca e usar o dinheiro excedente, entre outras coisas, para investir em ações da bolsa de valores. Os bancos forneceram o dinheiro tomando o imóvel como garantia.
O grande problema dessa euforia, segundo o economista Jair Casquel Junior é que "foi dado crédito a quem não podia pagar por ele ou que não tinha um bom histórico de pagamento".
Surge então o que conhecemos como subprime que "é o mercado das pessoas que não estão tão bem de vida assim e às quais a concessão de crédito representa riscos maiores", afirma o economista.
As taxas de juros, que até a ocasião mantiveram-se baixas, foram elevadas para conter a inflação. Assim assistiu-se ao desaquecimento da economia norte americana, pois o poder de compra da população foi reduzido.
Sem poder pagar pela prestação dos imóveis a essas pessoas de poder aquisitivo relativamente baixo não restou alternativa a não ser vendê-los. O problema é que muitos mutuários fizeram a mesma coisa ao mesmo tempo. "Isso resultou na desvalorização dos imóveis. Sobrou gente para vender e faltou gente para comprar", disse Casquel.
Os bancos sofreram um calote generalizado e não tiveram como honrar as dívidas. Além do prejuízo com a inadimplência, as instituições financeiras amargaram grandes perdas com os títulos e muitas das que chegaram à beira da falência, tiveram que recorrer aos recursos do governo para não quebrarem.
Os Bancos Centrais, a fim de evitar o colapso econômico, emprestam dinheiro público às instituições financeiras privadas para que as mesmas não quebrem. Quando o assunto é crise financeira envolvendo os bancos, observa-se a privatização dos lucros e socialização dos prejuízos.
Embora a turbulência tenha levado ao pânico as economias mundiais, há quem afirme que o Brasil sobreviva a ela sem maiores problemas. De acordo com o economista Alberto Borges Mathias "a tendência da economia brasileira é de recuperação. O Brasil, diferente de outros países, não passará por nenhuma recessão".
Quem tem aplicações nas bolsas de valores ou em fundos de previdência , segundo o economista, pode respirar aliviado já que " investimento em ações são investimentos a longo prazo e os períodos de ganho são maiores que os de perda. Quem perdeu dinheiro agora vai recuperar essa quantia dentro de algum tempo".

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Crônica: A confusão das marmitas




Antes de optar pelo jornalismo, cursei magistério numa escola de período integral. Embora fossemos muito jovens, a maioria adolescente, havia um esforço exagerado para nos mostrar mais responsáveis do que de fato éramos. Penso que aspirante a professor primário precisa demonstrar, para si e para os outros, que amadureceu mais cedo.

Nada de extraordinário acontecia. Os dias arrastavam-se monótonos. Não se matavam aulas. Não se pulavam os muros do colégio. (Pelo menos não com a mesma freqüência com que se fazia nas outras instituições de ensino médio). Os alunos seguiam a risca as orientações dos professores.

A delação, um ótimo instrumento implantado pelos diretores de postura militar, tornou-se a atividade preferida dos mais mesquinhos. A quem transgredisse as normas conservadoras da escola, a punição era severa. (Uma colega foi suspensa das aulas uma semana porque pintou o cabelo de rosa, mas essa é outra história.)

Como disse, estudava o dia inteiro. A bolsa de estudos não era suficiente para custear todas as despesas. Para economizar com a alimentação, recorríamos a uma solução muito barata e pouco prazerosa: a marmita.

O cheiro das comidas diversas, requentadas no marmiteiro, empestavam o refeitório. Por mais que tentássemos ao máximo diversificar o cardápio, a refeição era quase sempre insípida. Mas nunca inodora. Principalmente a de quem passou o curso todo levando ovos fritos na marmita. A “Menina dos ovos fritos”, como ficou conhecida, virou motivo de piada entre os alunos do primeiro ao último ano. A aparência de responsáveis não os impedia de ser cruéis.

E foi no refeitório que dois colegas de turma resolveram aprontar uma traquinagem digna de Pedro Malasarte. Escolheram uma manhã de segunda-feira, não por acaso, pois era o dia letivo em que se almoçava melhor. As marmitas chegavam ao aquecedor abastecidas com as sobras do domingo. Só a menina dos ovos fritos não levava nada diferente. Na segunda feira lá estavam os mesmos olhos redondos e amarelos olhando para ela.

O sinal da entrada soou às sete da manhã. Todos os alunos subiram para suas salas. Menos o Fábio e a Marisa, que se dirigiram clandestinamente para o refeitório. Eu, que estava ali por acaso, acabei cúmplice do malfeito. Não por coação. Gostei da brincadeira. Fiquei vigiando a porta. Fossemos surpreendidos, era problema na certa.

Os dois avaliaram os marmiteiros. Havia três, e cada qual continha duas bandejas. Diariamente se depositavam ali cerca de duzentas marmitas de várias cores, formas e tamanhos. Não era tão simples encontrar a própria comida. Tínhamos em mente uma espécie de plano cartesiano do marmiteiro.

Orientávamos-nos, grosso modo, da seguinte maneira: “Coloquei minha vasilha azul no lado esquerdo da bandeja superior do marmiteiro central, entre a vermelha e a amarela”. No horário de almoço era só seguir as coordenadas geográficas e... Pronto! Podia-se mastigar a refeição.

Fábio e Marisa, caprichosamente, agruparam todos os recipientes conforme correspondência de cores, desfazendo as acomodações originais. Enquanto se divertiam, eu vigiava a porta.

Ouvimos o sinal da segunda aula. Subimos. Fizemos nossas atividades habituais mal podendo conter a ansiedade. Ríamos por dentro. O sinal do meio-dia finalmente soou. Descemos rápido. Começara a confusão.

Os alunos entreolhavam-se estupefatos. Puseram-se a procurar as marmitas. Os donos das coloridas as encontraram com certa facilidade. Coitados dos que levavam recipientes de alumínio! Havia um marmiteiro todinho reservado àqueles cilindros idênticos. Alguns deles até continham identificação nas respectivas tampas. Meus amigos galhofeiros não hesitaram em trocá-las.

Decidiram abrir uma após a outra até encontrar a comida familiar, antes que as aulas recomeçassem. Murphy, entretanto, existe... E é implacável. Quem começasse procurando a marmita pela esquerda, a encontraria na direita. Começasse por cima, acharia em baixo. Se o espertinho tentasse alternar entre esquerda e direita, a encontraria exatamente no centro. Aquilo foi um verdadeiro pandemônio.

Olhei para o pilar e notei uma atitude deveras inteligente. Uma garota encostou-se ali e somente observou o esforço dos demais. Certamente, deixaria todo o trabalho duro para os outros, esperando para pegar a marmita que sobrasse. Seria uma ótima idéia, não fosse adotada por mais alunos também desanimados. Logo, ao menos quinze estudantes se enfileiravam escorados na parede do refeitório.

Àquela altura, as alunas já estavam enraivecidas. O sinal que indicava o início das atividades vespertinas havia ressoado. As garotas que ali permaneceram ainda sem almoçar, balbuciavam impropérios. Todas pareciam furiosas. Todas. Exceto uma.

Enquanto eu fitava o aposento, meus olhos estacionaram sobre alguém que se ria jocosamente. Num canto furtivo da extensa sala, de semblante ainda incrédulo, lá estava a menina dos ovos fritos prestes a devorar um farto bocado de lasanha que, misteriosamente, aparecera em sua marmita.


Elaine Siqueira

domingo, 15 de junho de 2008

Conto : O reencontro


O sufoco é grande. Quase não respiro ar agradável. Jamais contemplo a alvorada e é sempre tão escuro e monótono. Minha existência é letárgica.
Às vezes, por inútil distração, eu observo o ambiente. Tudo inspira abandono: as ferraduras enferrujadas esquecidas na parede, o arreio empoeirado, a cela, as tralhas velhas. Não se encontra serventia para os objetos aqui depositados.
Pelas frestas da parede vejo a luz entrando tênue. É acentuado o cheiro do mofo e a poeira asfixiante. O pó divaga leve e sereno pelo feixe luminoso que penetra no aposento. O silêncio revela-se profundo, quase tumular. E não é isso que esse lugar tem sido para mim esse tempo todo? Um túmulo! Ninguém jamais se lembra que ainda permaneço aqui, sozinha e perdida.
Por longos e incontáveis dias, padeço na solidão. Tudo me importuna e não posso sequer reclamar. Não adianta chorar, maldizer, soluçar... Em templo ermo, são inúteis os lamentos.
Já não tenho o vigor de outrora. Estou carcomida pelo tempo, pelo ócio e pela espera que nunca termina. O resgate não chega. Em momento algum deram pela minha ausência. Espere!
Estranho... Assim de repente... Finalmente! Ouço passos apressados. Quem será que se aproxima do celeiro? Quem importuna o cadeado e profana o descanso das correntes?
Tento olhar dentre o monte de palha e feno. Vejo-a através de um espelho empoeirado. É uma senhora já roída pela idade. Parece-me familiar. É uma conhecida de anos. Mas o reflexo já não é o mesmo da última vez em que nos encontramos: o dia feliz e tumultuado de seu casamento.
Dia bonito aquele! Casou-se há cinqüenta anos. E posso humildemente dizer que fui indispensável na preparação de suas vestes matrimoniais. Nunca esqueci da maciez do tecido alvo rendado. A superfície mais fina em que um dia me debrucei.
A velha senhora escarafuncha a palha. Chama por mim. Tento responder, mas ela não me ouve. Deve ser efeito da surdez. Provavelmente.
Fuça, remexe. Mexe de novo. Investiga com minúcia. Pelo esforço que empenha em minha procura, pareço algo valioso apesar da aparência ignóbil. Revolve a palha. Encontra-me. Fita-me inconsolável. Vejo lágrimas vertendo-lhe dos olhos. Já a vi chorar, uma vez, por celebração da vida que começara com seu matrimônio. Hoje o choro é amargo e triste. É pranto de quem perdeu uma parte de si mesmo.
Toca-me com cuidado. Suas mãos ainda tremem. Veste-me com uma linha. Costura comigo um velho vestido negro puído. Seu único traje de luto, que se fez necessário naquele momento.


Elaine Siqueira

Um dinossauro na era da informática




Quem ao recordar os anos escolares não se lembra das carteiras perfiladas, do quadro negro escrito a giz e do cheiro inconfundível de álcool que se desprendia das lições impressas no mimeógrafo? Mime... O quê? Quem não lembrou é porque não tem mais de vinte anos e nem freqüentou a rede pública de ensino.

A descrição acima não é saudosismo, mas o retrato fiel de muitas escolas que, em plena era da informática, se vêem privadas de recursos tecnológicos e munidas de artefatos obsoletos na prática pedagógica. O mimeógrafo é um ícone dessa obsolescência.

O avô das fotocopiadoras foi inventado no final do século XIX nos Estados Unidos e usado para reproduzir textos e figuras. Mais de um século já se passou. Nesse meio tempo o homem já foi à Lua, desenvolveu armas nucleares, lançou-se no ramo da robótica e da tecnologia digital. O velhinho movido a manivela resiste para o consolo dos professores da rede pública limitados pela falta de infra-estrutura das escolas.

“Apesar de ser um recurso bastante antigo e antiquado é utilizado nas escolas devido ao baixo custo com sua aquisição e manutenção. Além de acessível, é um equipamento portátil de uso coletivo entre os professores”, disse a professora Márcia Tuckmantel, que há vinte anos leciona na rede estadual de ensino.

Embora haja vantagem econômica, comparando-se com as impressoras e as fotocopiadoras, a qualidade da impressão não é das melhores. “A impressão muitas vezes sai borrada e isso compromete a legibilidade,” conta Márcia.

A tecnologia avança, mas a verba não chega às escolas. O mimeógrafo, para o espanto de professores e alunos, está longe de ser aposentado. E as páginas repletas de borrões e letras falhadas permanecerão ainda por muitos anos sobre as mesas escolares.

Elaine Siqueira

O que os jornais não noticiaram sobre o Haiti














“Os corpos ficavam estirados no chão. Ninguém, a não ser os cães, tocava neles”. Essa foi a primeira impressão que o soldado Anderson teve ao chegar a Porto Príncipe, em meados de 2005, para participar da Missão de Paz organizada pela ONU.
A violência instaurada nas principais cidades do Haiti, desde a renúncia do presidente Aristide em 2004, produziu um sem número de mortos. “Os cadáveres permaneciam nas ruas sem preocupar os que passavam, pois eles já estavam acostumados com aquela situação” concluiu o militar.

Ainda sem conhecer a situação caótica instalada no país, o soldado embarcou rumo a capital Porto Príncipe, junto com 1500 colegas, para integrar as Forças de Paz da ONU. “Quando disseram que era Missão de Paz, pensamos que era para distribuir alimento e remédio, além de prestar primeiros socorros. A gente não sabia que tinha que invadir favela. Eu não estava preparado. No quartel a gente só dava tiro em barranco”, disse o soldado.

Em vez de prestar a tão noticiada ajuda humanitária, os soldados da ONU receberam ordens expressas para invadir becos e favelas a procura de armamentos roubados, do exército haitiano, por insurgentes. “Logo que chegamos, tivemos que invadir uma casa cheia de rebeldes. Fosse pra matar ou morrer, nós tínhamos que entrar. Meu colega, que segurava uma metralhadora, entrou em choque dentro do carro de combate. Quase provocou um acidente sério”, contou o soldado sobre a primeira missão que recebeu em solo haitiano.

Os rebeldes eram, sem dúvida, os alvos das tropas da ONU. Nos confrontos, porém, muita gente inocente morreu. Segundo o militar brasileiro, várias crianças sucumbiram vítimas de balas perdidas. “Não dá pra saber se a munição saiu de armas militares ou se saiu da arma dos criminosos”, afirma.

As informações fornecidas pelo soldado certamente surpreendem. Poucos brasileiros sabem o que de fato ocorreu – e ainda ocorre – entre as Tropas da ONU e o povo haitiano. Os jornais não noticiaram as atrocidades cometidas lá e o motivo dessa negligência não se sabe.

Segundo Anderson, nem as famílias dos militares envolvidos sabiam do que se passava no Haiti. “Um dia após enfrentar rebeldes, num tiroteio que durou quase uma hora e que causou a morte de vários soldados da ONU, liguei para minha mãe para dizer que estava tudo bem comigo. Ela, até então, de nada sabia por que no Brasil nenhum jornal havia dado a notícia.”


Elaine Siqueira